O escritor Rômulo Nétto, através do jornalista Ramon Franco, fará, em data a ser definida, uma doação especial de suas obras à biblioteca municipal de Paraguaçu Paulista. Ramon nos apresenta as obras e seu autor, através desta matéria especial. Ramon Franco é nascido em Paraguaçu Paulista, jornalista e escritor em Marília, São Paulo. Em 2007 conquistou menção honrosa no concurso de contos ‘Tragédias Cariocas Hoje’, da editora Nova Fronteira (RJ), e o terceiro lugar no V Concurso Municipal de Contos Premio ‘Prefeitura de Niterói’, em Niterói (RJ). Representará a região de Marília na fase estadual do Mapa Cultural Paulista 2009/2010 com o conto 'A quiromante'. Por Ramon Franco Nem só de literatura estrangeira vive o mercado editorial do Brasil e nem só autores que habitam o eixo Rio-São Paulo alimentam a escrita contemporânea. Cristóvão Tezza, de ‘O filho eterno’, e seu colega de cidade, e de profissão, Dalton Trevisan não precisaram deixar Curitiba para que os leitores tivessem acesso aos seus textos. Nesta toada, feito um carro de boi que atravessa um chapadão, acaba de aparecer o brasileiro Rômulo Nétto. Da Cuiabá mato-grossense, o contista e romancista mineiro de nascimento (é de Paracatu, mesma terra de Afonso Arinos de Melo Franco, de ‘Pelo Sertão’), publicou três romances que trazem em suas páginas o efeito do conto. Outros livros e projetos estão em fase de conclusão, prestes a ganhar páginas e caminhar pela imaginação dos leitores brasileiros. A força artesanal de sua prosa sertaneja consiste no primeiro impacto de seu trabalho literário. ‘As jagunças’, ‘Filisberto das Âncoras’ e ‘Contos dos Gerais’ saíram no primeiro semestre deste ano pela Carlini & Caniato Editorial, com sede em Cuiabá e que reúne em seu selo obras de outro grande nome das letras mato-grossenses, Ricardo Guilherme Dicke. ‘Tarenço, o capanga de lata’ e os versos ‘Transitoriedades’, entre outros, estão inéditos, entretanto, foram editados manualmente pelo próprio autor. O enfoque artesanal parece que está ligado ao processo criativo de Romulo Nétto. Além de escrever à mão, ele confecciona os seus próprios cadernos. Feito um artista plástico que, além de pintar um quadro, antes se ocupa também com a composição da tela, de todas as paletas e na fabricação do próprio pincel. Ou melhor, feito um de seus personagens Filisberto das Âncoras, que precisa usar as mesmas mãos que coçam a barba, enquanto sua mente faz indagações, para conseguir comida e caça na vastidão dos cerrados gerais. Leia a seguir a entrevista completa com o contista, poeta e romancista de Cuiabá, que durante várias décadas trabalhou na Universidade Federal de Mato Grosso. O autor Rômulo Nétto fala sobre sua obra, jornalismo, educação e do rápido encontro que teve com o colega escritor Ricardo Guilherme Dicke, um dos maiores nomes da literatura do Século XX. O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a exigência de diploma para exercer a profissão de jornalista, entretanto, um senador e um deputado federal já apresentaram duas PECs (proposta de emenda à Constituição) que exigem a volta do diploma para jornalista. Como você interpreta toda esta situação? Romulo Nétto: Na minha óptica a visão do STF é equivocada. É preciso, antes de mais nada, valorizar a formação superior. Quando o vice-presidente da Globo disse que estava amarrado por não poder contratar um profissional para escrever sobre determinada área uma vez que o mesmo não era comunicador social, ou ele se equivocou ou demonstrou uma tremenda ignorância. Qualquer jornal pode contratar um médico, um físico, um químico como articulista. E para ser articulista não vejo necessidade de ser jornalista. Ele precisa, isto sim, ter notório saber em seu ramo de conhecimento. Enquanto jornalista não me aventurarei a escrever sobre um assunto que não domine razoavelmente. Não me arriscarei a escrever sobre física quântica ou fisiologia. Talvez queiram acabar com o ensino superior no Brasil. Com ele a vida do profissional já anda difícil, sem ele então... Não consigo conceber um indivíduo exercendo jornalismo desprovido do mínimo conhecimento que a graduação oferece. Uma de minhas duas filhas é estudante de Comunicação Social e ela estava descontente com a decisão do STF. Eu lhe disse para não se importar com o fato e se preocupar em ter a melhor qualificação possível. Há de sobressair aqueles profissionais que conseguirem o melhor aperfeiçoamento, através de especializações, mestrado, doutorado e pós-doutorado e, obviamente, da experiência que só o tempo e o sacrifício possibilitam. Comente um pouco as temáticas abordadas em seus livros, principalmente os três últimos lançados em maio pela Carlini & Caniato Editorial, de Cuiabá. Romulo Nétto: São três livros. Embora todos sejam classificados como contos eu não considero assim. Apenas ‘Contos dos Gerais’ deve ter essa classificação. Minha temática é a do homem/mulher sertanejo(a) dos Gerais, onde durante séculos imperou a violência – física e psicológica. Em ‘Contos dos Gerais’ há muito de minha infância no distante Paracatu (terra de Afonso Arinos, autor de Pelo Sertão, entre outros livros). ‘Filisberto das Âncoras’ o primeiro deles a ser escrito. Ele foi recrutado de poemas de um livro que intitulei ‘Um Chão de Quase Coisas’. É a história de um sertanejo calejado que por mais de trinta anos nunca tinha tido uma mulher, de repente ela (Hemengarda Epifânia, nome retirado do quadrinho Kid Farofa – Tumbleweeds), veio lhe dar um norte para vida, ensinando que deveria dar o troco para os políticos na boca da urna. Narra sua ida para a cidade onde votaria. A longa caminhada, a chegada, o recrutamento para um quartel (local onde lá em Minas Gerais ficavam os sertanejos que vinham para votar e lá permaneciam praticamente incomunicáveis até a eleição). O encontro com outros aquartelados, os ‘perrengados’ que são os personagens coadjuvantes, o nascimento dos filhos e a escolha dos padrinhos. Em ‘As Jagunças’ narro a formação de um bando formado por 21 mulheres. Não são mulheres comuns. Há duas com formação superior, há cantora, violeira e sanfoneira, todas empenhadas em aplicar justiça com suas próprias armas. É um livro ímpar. Não emprego vírgula, ponto e vírgula ou ponto final. Aliás, minha poesia desde 1968 é escrita sem vírgula. Agora, depois de publicado ‘As Jagunças’ é o livro que mais me atrai a atenção pelo fato de ter lidado naturalmente com as 21 mulheres, ter dado a elas oportunidade de se rebelarem contra a tirania. Oxalá as mulheres deste nosso conturbado século possam se rebelar, sem a necessidade de usar armas, mas tão somente a sensibilidade e a inteligência que lhes são tão peculiares. O leitor por certo sentirá estranheza quando ler ‘Moça na Bicicleta’, de ‘Contos dos Gerais’, e não encontrar quem matou Lavínia. Usando da recorrência só revelo o assassino no último capítulo de ‘As Jagunças’. No blog da sua editora, a Carlini & Caniato, alguns leitores criticam o isolamento cultural do Mato Grosso e ressaltam a importância do seu trabalho, reivindicando, inclusive um reconhecimento nacional. O que você pensa sobre isso? Romulo Nétto: Concordo plenamente. Em primeiro lugar não passamos de Estado de periferia. Um autor do Norte, Nordeste ou Centro-Oeste só consegue êxito em sua carreira literária se estiver baseado no ‘Sul Maravilha’ (eixo Rio-São Paulo). Por melhor que seja seu texto, se ele não estiver nas rodas literárias do Rio e de São Paulo, isto é, se não for publicado por uma editora localizada em um desses dois Estados, dificilmente ele conseguirá ser conhecido e reconhecido. A Carlini & Caniato Editorial não deixa nada a desejar em comparação com as grandes editoras localizadas no citado eixo. Aqui a coisa não difere muito. Santo de casa ainda não faz milagres. Como é o ritmo da sua produção literária, você mantém algum hábito? Romulo Nétto: Embora tenha uma incrível facilidade para digitar prefiro escrever à mão. Faço meus próprios cadernos, em casa. Divido 50 folhas de papel A4 ao meio, perfuro, coloco uma capa de papel duplex ou triplex, coloco espiral e está pronto o meu caderno. Uso sempre caneta azul, escrita fina. Eu me sento na varanda de minha casa (das 9h às 11 horas e das 16h às 17 horas), uma boa música correndo solta, preferencialmente Vivaldi, a companheira de longa data Antártica (em lata). Esse é o cenário perfeito. Não faço nenhum planejamento para escrever, nunca me preocupei em elaborar personagens. Quando eles estão prontos, em algum lugar do subconsciente e querem se safar dão o sinal e a qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer lugar me ponho a escrever. Escrevo até cansar. Posso retornar no mesmo dia ou daí dois ou três dias depois e recomeçar como se nada tivesse acontecido. Às vezes escrevo dois livros em um ano, às vezes três. Nada planejado. Quem manda são os meus personagens ou os poemas. Quando eles se sentem enjaulados pulam para a folha branca de mais papel mais próxima. Em julho de 2008 morria Ricardo Guilherme Dicke. Qual era a sua relação com Dicke, aliás, um escritor elogiado pelo próprio Guimarães Rosa? Romulo Nétto: Não fui amigo de Ricardo Guilherme Dicke. Eu me encontrei com ele apenas uma vez e pouco conversamos. Li alguns livros dele. Acho que se não tivesse se refugiado aqui em Cuiabá, seria nome nacional. Qual é o melhor conto da literatura brasileira? E qual é o maior escritor vivo da literatura brasileira? Romulo Nétto: Não me atrevo a escolher um conto. Muito menos nomear um escritor como o melhor autor vivo da literatura brasileira. Fale um pouco da sua experiência literária e jornalística, como é conviver com estas duas artes? Onde se encontra o ponto de separação entre jornal e livro? Romulo Nétto: Não foi preciso separar. Na verdade não exerci a profissão, senão esporadicamente. Na Universidade Federal de Mato Grosso fui assessor de vice-reitoria, chefe de Relações Públicas (não mais que uns seis meses nos dois cargos), depois fui para a Presidência da Comissão Permanente de Concurso Vestibular, para finalmente ser Supervisor da Imprensa Universitária. A Imprensa Universitária não tinha nada de imprensa, era na verdade o embrião da Editora Universitária, onde permaneci de 1980 a 1991. Fale um pouco dos seus projetos Romulo Nétto: Sou mineiro de Paracatu. Jornalista pela Universidade de Brasília. Terminei há seis meses um pequeno livro intitulado ‘Tarenço, o Capanga de Lata’ e ‘Simplesmente Gerais’. ‘Simplesmente Gerais’ é um livro dividido em três partes: ‘Vereda’, ‘Cerrado’ e ‘Sertão’. Pretendo ir brevemente para Minas fotografar o Parque Nacional Grande Sertão: Veredas, a floresta de buritizais e as veredas de Três Marias, as fotografias serão utilizadas em cada ambiente do livro. Faremos, também, um DVD utilizando esses mesmos ambientes. Já compus sete músicas. Estou procurando um violeiro para arranjá-las. Elas serão o fundo musical do documentário. Ramon Carlini, da Carlini & Caniato Editorial cuidará do projeto para captarmos recursos através da Lei Rouanet. Estou trabalhando, simultaneamente, em três outros títulos: ‘Tatão Malemais, o Capador de Anjos’, ‘Zé, o Caipira que Matou o Papa’ e ‘A Revolta dos Livros’. TRILOGIA DOS GERAIS O efeito do conto em Romulo Nétto ‘As Jagunças’, ‘Filisberto das Âncoras’ e ‘Contos dos Gerais’ revelam a força de um autor com intensa paixão por cerrado e por Guimarães Rosa Ramon Franco Como o sexo é um instinto, o leitor também, instintivamente perceberá, aos poucos, a força das palavras e das mensagens, sem vírgulas, do romancista e contista Romulo Nétto. Autor da chamada trilogia dos gerais, o jornalista diplomado reuniu em ‘As Jagunças’, ‘Contos dos Gerais’ e ‘Filisberto das Âncoras’ (os três publicados em 2009 pela Carlini & Caniato Editorial, de Cuiabá, MT) tramas e personagens que naturalmente conviveriam ombro a ombro com os retratados pelo mestre Guimarães Rosa em ‘Sagarana’, ‘Primeiras Estórias’ e ‘Grande Sertão: Veredas’. Mineiro, conterrâneo de Afonso Arinos de Melo Franco, de ‘Pelo Sertão’, Nétto recorre ao instinto de preservação e de estabelecimento de justiça para narrar vidas e tramas. O instinto de preservação, por exemplo, pode fazer as pessoas a procurarem prazeres sexuais e em muitas páginas deste autor radicado em Cuiabá surgem a força atrativa da carne, a ânsia por vingança que alimenta ações das mulheres que, em ‘As Jagunças’, compõem um raro bando, bem como o peso geográfico dos gerais e ainda a forma roseana de prosear e narrar fatos. Os trabalhos do romancista residem no efeito e na estrutura do conto genuinamente brasileiro, mesclando o roteiro literário de Orígenes Lessa (tido por Jorge Amado como o maior contista da moderna literatura brasileira) com as palavras e o cenário que inspiraram o autor de ‘Sagarana’. Nétto revela um jeito independente de estruturar seus personagens dentro do romance, assim cada capítulo em ‘As Jagunças’ é uma micro novela, estruturada com personagens que muitas vezes se repetem em outros momentos do livro. Falar da trilogia de forma isolada seria privar o leitor de ampliar o conhecimento do mundo ficcional deste nome das letras brasileiras. Uma ressalva deve ser constatada: o autor peca no igualar e unificar as narrativas de personagens com idades e trajetórias diferentes na voz comum de um único narrador, como se todos fossem o mesmo fio condutor. Entretanto, este fio condutor único é justificável. Trata-se de Romulo Nétto, o exato narrador de todos os enredos contidos na trilogia que não congrega apenas Minas, mas Mato Grosso, o cerrado e o Brasil. Tal como o efeito de rodar pelo solo mineiro, ainda que observando as linhas e contornos cartográficos contidos em seu mapa, e dizer: Minas Gerais é mesmo um ‘mundão’. Romulo Nétto é literatura brasileira contemporânea.
Paraguaçu Paulista